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Tema principal (Dossiê): "Estado e Violência: Configurações Legais de Dominação no Equador Contemporâneo"

Este dossiê parte de uma preocupação que nos acompanha há anos — embora às vezes a escondamos por trás de uma linguagem técnica —: a violência estatal não é uma anomalia ou um erro de cálculo institucional. Não é algo que acontece quando "as coisas dão errado". Pelo contrário, é uma forma de gestão do poder que se normalizou no cotidiano do Equador. E é isso que realmente incomoda: aceitar que o Estado, além de proteger, também pode infligir danos; que a legalidade nem sempre impede a violência, mas às vezes a protege, a administra e a reorganiza.

No Equador, tendemos a falar sobre essas questões com uma mistura de resignação e vergonha. Acostumamo-nos ao dano porque ele vem envolto em procedimentos, assinaturas, resoluções e silêncios administrativos. Mas, ao observar com atenção (e com alguma honestidade intelectual), padrões emergem que não podem mais ser ocultados: corpos punidos por sistemas que alegam protegê-los, territórios que carregam o fardo de políticas que jamais os consideraram sujeitos de direitos, instituições que distribuem a precariedade como se fosse parte inevitável da vida pública.

Os quatro artigos e a entrevista, reunidos aqui, não buscam resolver esse emaranhado; seria ingenuidade esperar isso. O que fazem é apontar o dedo para a ferida. Mostram que a violência estatal está viva, que é sistemática, que é histórica e — o que é pior — que é adaptável. Ou seja, muda de forma e vocabulário, mas não desaparece.

Nesta edição, há duas ideias que servem como estrutura para analisar o todo, sem restringi-lo ou empobrecê-lo. A primeira é simples de entender, mas difícil de aceitar: o poder punitivo não opera em neutralidade. Nunca operou e nunca operará. A punição é distribuída de acordo com as linhas de desigualdade no país e aplicada com mais força onde a pobreza, o gênero ou a racialização marcam a vulnerabilidade. A lei diz uma coisa, mas o sistema penal faz outra: seleciona, classifica e disciplina. A segunda ideia é mais sutil, mas igualmente poderosa: a colonialidade legal persiste precisamente onde o Estado se vangloria de modernidade, pluralismo ou reconhecimento. Persiste na forma como a justiça indígena é limitada, na maneira como as políticas de desenvolvimento são concebidas e na interpretação de direitos proclamados como universais, mas aplicados de forma desigual.

Com essas ideias como pano de fundo, cada texto deste dossiê abre uma janela diferente. Nenhum substitui o outro. Em vez disso, eles se contradizem, se sobrepõem e se complementam. E, ao fazer isso, revelam um panorama complexo, que é precisamente o que precisamos ver para parar de fingir que a violência estatal é um problema menor.