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EL SECUESTRO DE LA DEMOCRACIA: EL CONTROL OLIGÁRQUICO  
THE KIDNAPPING OF DEMOCRACY: OLIGARCHIC CONTROL  
O SEQUESTRO DA DEMOCRACIA: O CONTROLE OLIGÁRQUICO  
Roberto Bueno*  
Enviado: 16/10/2016  
Aceptado: 19/12/2016  
Resumen:  
La crisis de la democracia objeto de nuevas narrativas di-  
rigidas a los ciudadanos se ha transformado en una moda  
intelectual abrumadora. Existen varias vertientes, pero un  
mismo problema sin objeciones, que plantea que la demo-  
cracia se está presentando en todas sus deficiencias. La hi-  
pótesis de la que parte este trabajo es el secuestro del con-  
tenido de las democracias, su representatividad y su control  
por parte de una oligarquía bien definida. Las estrategias de  
dominio y las posibles alternativas para escapar de este fe-  
nómeno son los puntos centrales de este artículo.  
well defined in its contours. e domain strategies and  
possible alternatives to escape them is what this article is  
concerned.  
Key words: Democracy; Oligarchy; Economy; Politics;  
Dominion.  
Resumo:  
A crise da democracia recebe novas narrativas e é  
pautada para os cidadãos e logo é transformada em  
moda intelectual avassaladora. Sucessivas vertentes, mas  
um só problema sem declaração de oposição ao próprio  
conceito, a democracia vai sendo apresentada em todas  
as suas insuficiências. A hipótese da qual parte este  
trabalho é o sequestro do conteúdo das democracias, de  
sua representatividade e de seu controle por parte de uma  
oligarquia bem definida em seus contornos. Das estratégias  
de domínio e das possíveis alternativas para fugir a elas é  
do que este artigo se ocupa.  
Palabras clave: Democracia; Oligarquía; Economía; Políti-  
ca; Dominio.  
Summary:  
e crisis of democracy gets new narratives and is guided  
to the citizens and is soon transformed into overwhelming  
intellectual fashion. Successive strands, but one problem  
without objection to the concept itself, democracy is being  
presented in all its shortcomings. e hypothesis which part  
of this work is the kidnapping of content of democracies,  
their representativeness and their control by an oligarchy  
Palavras chaves: Democracia; Oligarquia; Economia;  
Política; Domínio.  
*
Professor Adjunto III. Professor da Faculdade de Direito (Pós-Graduação) da Universidade de Brasília (CT). Doutor em Filosofia do Direito pela Uni-  
versidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Filosofia Política pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Ceará  
(
UFC). Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM / Marília). Especialista em Direito Constitucional e Ciência Política pelo Centro  
de Estudios Constitucionales de Madrid (CEC/Madrid). Pós-Doutor em Filosofia do Direito e do Estado (UNIVEM / Marília). Graduado em Direito  
pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).  
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DEMOCRACIA: CONCEITO ABERTO, HORIZONTE FECHADO  
A democracia é um trabalho sempre aberto à  
procura de seus novos atores através da leitura das  
tensões que medeiam as suas relações, e que estes  
encontrem as condições para (re) elaborar e instituir  
as suas percepções diversas do social, da política e da  
cultura, tão amplas em ambientes arejados que possam  
ser irremediavelmente contrapostas a ordem vigente.  
A realidade dos nossos dias encoraja a proposição  
da abordagem de genuína encruzilhada conceitual  
e empírica, posto que a própria crença nos valores  
essenciais da democracia é que está sendo posta em  
xeque, movimento histórico que supõe algo muito  
mais grave do que uma crise de época sobre as práticas  
da democracia.  
existência de um sistema de liberdades formais como,  
por exemplo, a de expressão. A reflexão de fundo sobre  
a democracia coloca em causa a análise das ações das  
instituições, do resultado de suas políticas, para além  
de sua mera formatação segundo certos parâmetros da  
cultura política liberal.  
O que é colocado em causa é a superação das presen-  
tes estruturas sob a indicação de reformas agudas em  
sua própria organização capazes de atingir o núcleo do  
establishment, o que viria a provocar a eliminação do  
grande eixo sobre o qual gravita a organização de vida  
pública das sociedades ocidentais: a predominância  
absoluta da lógica econômica sobre a lógica e o tempo  
da política e economia. O que está colocado em causa  
nesta perspectiva de reformas agudas é o estabeleci-  
mento de limites para a ação e influência da economia  
sobre a política prévia assertiva da supremacia desta  
última. Evitar ou postergar indefinidamente este mo-  
vimento implicará na assunção de novos riscos histó-  
ricos da emersão da cultura autoritária já em processo  
de franca ameaça à democracia.  
Sob tal cenário, ao menos duas exsurgem como as  
mais ingentes tarefas. A primeira é a de estabelecer  
critérios descritivos que permitam reconhecer o que é  
uma democracia. Através desta estratégia poderíamos  
avaliar com mais precisão quando se está a cruzar a  
fronteira da existência de seus padrões mínimos, mes-  
mo quando ainda sejam mantidos uma série de ele-  
mentos formais, precisamente dispostos apenas para  
criar um véu de entorpecimento à percepção popular  
sobre o ocaso do sistema de liberdades. A segunda ta-  
refa é a de detectar as falhas estruturais da realização  
das promessas da democracia para, passo seguinte, ex-  
plicitar publicamente estas insuficiências e promover a  
pronta intervenção saneadora sob tais circunstâncias  
com a finalidade de reduzir o déficit democrático e,  
por conseguinte, o preocupante índice de rechaço ao  
sistema em franca expansão.  
Em face da consecução de políticas populares e demo-  
cráticas é questão prioritária dos nossos dias deslindar  
os estratagemas utilizados para a obtenção da con-  
cordância dos estratos populares mais desfavorecidos  
com vistas a implementação do capitalismo. Recons-  
truído sob a inspiração neoliberal em sua mais pura e  
1
dura versão, eclodem rapidamente as consequências  
dissonantes de sua pejoração. Mesmo sendo explici-  
tadas no cotidiano todas as consequências diretas de  
sua política, tais como desemprego, falta de proteção  
social eficiente, eis que o neoliberalismo aristocrático  
e autoritário logra equilibrar-se no poder através de  
uma estratégia de colonização cultural que transcende  
os limites da mera publicidade.  
A crise das democracias contemporâneas precisa ser  
enfocada na mais cuidadosa análise da articulação e  
desenvolvimento de suas estratégias discursivas e as  
suas vias legitimadoras. A justificativa para tal recor-  
te se encontra no fato de que as estruturas e as insti-  
tuições da democracia contemporânea já não podem  
mais ser sustentadas exclusivamente na falida retórica  
da realização de eleições periódicas e da reiteração da  
O custo das políticas públicas e econômicas neolibe-  
rais implementadas pelos aristocratas autoritários no  
poder invariavelmente opõe a crueza da vida aos mais  
1
Neste texto compartilhamos a posição moderada de Touraine a respeito do liberalismo que reconhece a sua importante colaboração para o mundo da  
democracia na medida em que historicamente foi comprovada a razão de fundo de suas desconfianças relativamente ao Estado, e isto seria o suficiente  
para que o liberalismo possa permanecer no campo das doutrinas inspiradoras da democracia (Touraine, 1996, 68). Todavia mais expressamente,  
sustenta que “Se não há democracia que não seja liberal, existem, pelo contrário, regimes liberais que não são democráticos” (Ib.), o que é preciso ser  
considerado. Neste sentido, certamente, cabe crítica sobre qual das versões do liberalismo está sendo tratado, e a indicação que este texto contempla é,  
necessariamente, a do liberalismo político em seus fundamentos clássicos, e nada mais do que parcial e muito pontualmente, em alguns dos aspectos do  
liberalismo econômico.  
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pobres, circunstância agravada pelo fato de serem  
radicalizadas as políticas restritivas quando esta po-  
pulação depauperada necessita ainda mais de auxílio  
do Estado, vale dizer, em tempos de crise e quando a  
os ingênuos poderiam realmente imaginar que “[...]  
los hombres construyeron un método simple que va  
desde la identificación de los problemas generales has-  
ta la puesta en práctica de las soluciones” (Duménil y  
Levy  
2
sociedade deveria estar pronta e disposta a prestá-lo.  
Esta clara insuficiência das políticas públicas aplicadas  
por segmentos que colonizam o Estado à revelia do in-  
teresse público é uma questão conexa com uma das  
peculiaridades de nossa época indicada por Sennett ao  
sustentar que “[...] os poderes formalmente legítimos  
das instituições dominantes inspiram um forte senti-  
mento de ilegitimidade entre os que estão submetidos  
a elas” (Sennett 2011, 42). Em verdade não se trata  
de um sentimento de ilegitimidade, mas de uma per-  
cepção não racionalizada do absolutamente real, uma  
leitura sem organização e clareza suficientes que per-  
mitam migrar para a ação redefinidora deste opressivo  
campo do real a partir da mobilização para a sua sub-  
versão através do ativismo cívico aplicado ao plano da  
empiria.  
2007, 17). Mas é precisamente esta ingenuidade que  
vem marcando a esfera pública que, assim, oferece  
condições para o triunfo da articulação de uma re-  
tórica política calçada em discursos científicos apre-  
sentados pela tecnoburocracia perpassados por alta  
voltagem de opções ideológicas, mas que tem os seus  
evidentes interesses encobertos pela pretensão de neu-  
tralidade científica.  
Não há uma pura e neutra elaboração deste naipe  
pretendida pelo turbocapitalismo sofisticado da era  
digital que não esteja determinada por uma visão de  
mundo e de organização social. A estratégia é negar  
o fato da escolha por força de que isto remeteria a in-  
clusão do campo da política, esfera na qual existe uma  
maioria popular pronta a comparecer às urnas para  
triunfar. O que está em causa é uma estratégia de des-  
colamento da fundamentação das políticas públicas de  
sua real função última determinante, a saber, a escolha  
entre bens e valores que competem entre si e que cabe-  
ria ao campo do político deliberar entre eles e articular  
e equilibrar a sua realização sempre que possível.  
A detecção da agudeza das contradições que incen-  
deiam os tempos de crise é movimento de difícil rea-  
lização dada à espessura do véu de acobertamento  
do real, mas ainda quando isto ocorra, está longe de  
anunciar o prévio movimento de esforços para abor-  
dá-los. A forte dose de paralisia que é capaz de pro-  
vocar em seu favor o sistema turbocapitalista injeta o  
desânimo necessário para que o sistema reproduza as  
suas relações de iniquidade e violência, lato sensu, com  
a obtenção de apoio político popular de forma expres-  
sa, mesmo que com intensidade variável consoante a  
conjugação de imprevisíveis circunstâncias políticas e  
econômicas.  
Não esteve em causa em nenhum momento a reali-  
zação da comprovação de problemas para, passo se-  
guinte, aplicar as medidas pertinentes para abordar  
a problemática segundo as estratégias previamente  
traçadas. Há sobradas evidências da ausência de uma  
racionalidade pura determinando a ação humana bem  
como de que o elemento racional operante possa fazê-  
lo desconectado do campo dos interesses no processo  
de tomada de decisões. Esta é uma leitura do campo  
político que retira o manto da neutralidade do campo  
aristocrático-conservador de viés autoritário. É nesta  
encruzilhada que ocorre o ocultamento do processo  
de decisões e de suas reais motivações, e é nele que  
Chomsky encontra um dos métodos prediletos dos  
governos autoritários, voltados a isolar os cidadãos, e  
garantindo assim que permaneçam na posição de me-  
Em um cenário em que uma aristocracia organiza as  
formas de acesso ao poder quer através da legislação  
como também da organização das formas de repro-  
dução cultural (escolas, universidades, clubes, jor-  
nais, televisões, rádios, plataformas digitais, etc.), seria  
enorme equívoco de estratégia política acreditar que  
o mainstream falharia em criar um véu espesso o su-  
ficiente para que a cultura pública compartilhada não  
cumprisse a sua missão com eficiência. Neste sentido  
é promissor recordar com Duménil e Levy que apenas  
2
Mas não é esta a visão de mundo neoliberal, para quem a justiça é apenas uma desprezível construção teórica e, por conseguinte, marcada por ser injusta.  
Para o neoliberalismo a noção de justiça não é ínsita à natureza, e esta seria a única condição para o acatamento irresignado de quaisquer categorias,  
aspecto no qual revela a sua insubordinação com os princípios do Iluminismo. Sem embargo, o recriminado construtivismo não é de qualquer forma  
alvo de críticas quando voltado a elaborar estratégias de multiplicação do capital financeiro.  
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ros espectadores de uma peça trágica para os seus ato-  
res secundários, e que nunca possam ocupar a posição  
de atores (Chomsky 1995, 65).  
suas escolhas. A suposta pureza metodológica e intei-  
reza inexpugnável do discurso científico está pronta e  
disponível para ser aplicada por agentes absolutamen-  
te desvinculados de interesses públicos, os quais são,  
com absoluta clareza, e por antonomásia, de caráter  
político, sob ações diretas empregadas para o acober-  
tamento do emprego dos melhores esforços por parte  
destes atores científicos e seus diretos interventores no  
espaço público enquanto intermediários e tradutores  
políticos das supostas verdades reveladas pela ciência  
econômica.  
A retórica política elaborada pelo campo ideológico  
crítico às políticas progressistas não raro contempla e  
lança mão de uma tipologia discursiva em que a ex-  
trema racionalidade é apresentada como sendo a sua  
grande e única marca distintiva, atribuindo às políti-  
cas progressistas, também as de corte econômico, o  
indefectível signo da acientificidade e do comprome-  
timento político, e neste momento ficam estipulados  
dois campos opostos e de suposta irreconciliabilidade:  
ciência e política.  
Sob tal cenário é imperativo esquadrinhar criticamen-  
te em paralelo o quadro de sofisticações que permi-  
te o sequestro da democracia, de suas instituições e,  
no limite, até mesmo da capacidade de percepção dos  
cidadãos como, em diálogo, com as possibilidades de  
desenhar um quadro jurídico e político sob o qual o  
regime de liberdades democráticas venha a dispor de  
melhores condições de sobrevivência. À partida, este  
cenário supõe que as relações políticas não se encon-  
trem entorpecidas e aviltadas pelo domínio da econo-  
mia.  
Assim é desenhada uma fronteira que busca interdi-  
tar o acesso popular através das categorias políticas a  
um sistema de saberes herméticos (tecnologia, econo-  
mia, cálculos, estatísticas, etc.) e que torna argumen-  
tativamente inabordável o discurso “técnico” de seus  
atores, como se por trás deles realmente não estivesse  
sendo ocultada uma gama de categorias axiológicas  
que informam e determinam o fazer “científico” e as  
A POLÍTICA SEQUESTRADA: NEOLIBERALISMO E DIREITO  
DE RESISTÊNCIA  
Háalgumasdécadasou,emesforçodeaproximação  
cronológica, pelo menos desde o ano de 1989, começou  
a ser construído e colocado em trânsito no mundo  
ocidental o argumento de que o livre mercado e as  
instituições políticas liberais haviam adquirido um  
alto grau de maturidade histórica, a ponto de poder  
ser afirmada a sua inexorabilidade histórica por parte  
de amplos setores do neoliberalismo conservador.  
Os desdobramentos desta radical leitura da história  
precisam ser revistos em face da brutal quebra das  
promessas libertárias por parte dos condutores da de-  
mocracia real naqueles, coincidentes com os seus valo-  
res mais caros e mais profundamente compartilhados  
e que configuram o naufrágio do neoliberalismo real,  
mas cujas raízes críticas, no caso brasileiro, deitam na  
realidade do século XIX.  
A avaliação neoliberal é de que o seu triunfo deslo-  
ca da imanência quaisquer outros de seus competi-  
dores teóricos, pois está em condição de reafirmar a  
sua posição enquanto poder diretor das sociedades  
contemporâneas. Supostamente foi concluída uma  
etapa histórica e seria irredutível a discrepância entre  
os dois grandes campos de interesses, irreconciliáveis  
posto que a nova afirmação da época seria a conquista  
de um estágio civilizatório superior ocorreria o amplo  
compartilhamento do valor das liberdades fundamen-  
tais e sua afirmação por parte da organização política  
do Estado.  
No âmago da teoria neoliberal não são escassas nem  
pouco agudas as contradições remanescentes, e uma  
destas graves questões é a ocultação da esfera pública  
do direito de resistência cujo papel revigorante para  
a manutenção da higidez das instituições democráti-  
cas é relevante. O conceito de direito de resistência é  
admitido no núcleo conceitual duro da teoria liberal  
lockiana, mas também em diversos outros autores li-  
berais. Em ambos os autores o exercício do direito é  
legitimado sempre e quando o poder seja exercido de  
forma abusiva ou, mesmo, conforme propõe Sennett  
contemporaneamente, quando os poderes constituí-  
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dos atuem de forma maléfica ou destituído da integri-  
dade necessária (Sennett 2011, 42). Este é precisamen-  
te o caso destes tempos em que o poder foi assaltado  
e as instituições de produção ideológica foram seques-  
tradas e, não obstante, o núcleo duro dos representan-  
tes do neoliberalismo continua apresentando-se como  
tais quando ao cercear violentamente o direito de re-  
sistir assumem, a todas luzes, a identidade autoritária  
de viés fascista.  
não se subordinam a esta demanda democrática de  
Nino. Esta perspectiva do autor é também reconhecida  
por Touraine como exigência do ethos da democracia,  
posto que a ausência da participação do maior núme-  
ro possível no estágio de “[...] criação e transformação  
das instituições sociais” (Touraine 1996, 35) é impedi-  
tiva da edificação da democracia (cf. Ib.) justamente  
naquele que é o seu ponto de apoio legitimador.  
É importante considerar que se a participação é um  
pilar essencial da democracia, por outro lado, não o  
é menos a igualdade cujas mil caras e disfarces que  
pode assumir sob o turbocapitalismo neoliberal pre-  
cisam ser evitadas. Neste sentido Nino argumenta que  
tampouco basta à igualdade de acesso a discussão e,  
portanto, de que seja viabilizada a participação nos  
debates, senão que, isto sim, a democracia pede mais,  
demanda uma “[...] oportunidad igual de expresar sus  
intereses y justificar una solución a un conflito, ésta  
será muy probablemente imparcial y moralmente co-  
rrecta siempre que todos la acepten libremente y sin  
coerción” (Nino 1997, 166). O que está em causa não é,  
portanto, apenas o direito a livre expressão mas, ainda  
previamente, que este direito cidadão seja instrumen-  
talizado com elementos que o tornem capaz de justi-  
ficar sua posição em meio a conflitos e a apresentação  
de demandas, o que supõe, desde logo, muito mais do  
que um ensino voltado a profissionalização.  
As relações políticas em sociedades dominadas pelo  
capital estão perpassadas por mal postas relações de  
liberdade. A sua realidade está envolvida até a medu-  
la por uma substancial estrutura ideológica de poder,  
mas que publicamente é apresentada como neutra, e  
sob este jogo de luzes e opacidades mal percebidas o  
poder dispõe de força eficiente para descoser interna  
e conceitualmente o direito de resistência proposto  
pela teoria de liberais clássicos como Locke (Locke,  
2
006). Esta é uma estratégia voltada a obstaculizar os  
movimentos sociais, embora sem a força definitiva  
para desconstituir as suas possibilidades no plano da  
imanência, que detém a inexorável virulência da ne-  
cessidade, que motiva as vozes e mobiliza os corpos,  
conjunto articulado capaz de desmentir a falsa concre-  
tização das promessas e direitos. É a este conjunto que  
o neoliberalismo contemporâneo, sem hesitar, burla,  
ataca, destrói e publicamente massacra. Suas vítimas  
são os deserdados que, todavia restem após suprimi-  
das as suas condições de existência. Este modelo de  
sociedade em que a democracia é vilipendiada através  
de sucessivos ataques substantivos, mas informais não  
faz parte da tipologia social desenhada por Nino, na  
qual os indivíduos se projetam politicamente sobre a  
esfera pública. A democracia real nas sociedades oci-  
dentais possui diversos pontos em comum, e vários  
deles foram traçados de forma profunda pelas forças  
operantes na globalização, que com clareza discrepam  
em seus propósitos daqueles outros interesses típicos  
dos trabalhadores.  
Este modelo básico de democracia descrito por Ni-  
no-Touraine está conectado ao critério mínimo para  
o seu reconhecimento, noção que também é propos-  
ta por Chomsky. Para o autor a democracia depende  
de que sejam oferecidas condições para que a “[...]  
generalidad de la población juegue un papel signifi-  
cativo en la administración de los asuntos públicos”  
(Chomsky 1995, 44), ideia que também é articulada  
por Ostrogorski quando sublinha que a democracia  
encontra um dado primeiro e primordial no fato da  
“[...] participación activa de la gran masa de los ciu-  
dadanos” (Ostrogorski 2008, 35). Portanto, ademais  
da capacidade para participar Chomsky apresentar o  
critério qualitativo, vale dizer, que a participação seja  
significativa, e não apenas por parte de poucos, mas  
sim da massa, diria Ostrogorski, evidenciando o eco e  
a conexão de Nino com ele.  
A democracia real implementada segundo a gramática  
político-econômica da globalização transcende os li-  
mites propostos pela normatização epistêmica de Nino  
ao sustentar que a democracia pode ser identificada  
Si todos aquellos que pueden ser afectados por una  
decisión han participado en la discusión [...]” (NINO  
997, 166). Evidentemente, as engrenagens da globali-  
zação e suas cadeias de transmissão, as transnacionais,  
1
Estas descrições dos critérios de reconhecimento de-  
finitivamente não encontram lastro consistente no  
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mundo empírico das mais diversas democracias reais  
ocidentais, e nisto precisamente é que reside um dos  
seus mais relevantes aspectos que apoiam a crise con-  
temporânea em que se vê imersa. Aos problemas es-  
truturais legais e financeiros se soma ainda outro, mui-  
to grave, a saber, o da falta de oportunidades reais de  
participar do teatro público de manifestação de opi-  
niões políticas através da mídia.  
A derrota do final da história ocorre no plano da  
imanência sob a força do véu que encobre as reais  
forças operantes sob o neoliberalismo e os seus resul-  
tados. Esta derrota encontrará seu último bastião no  
plano da retórica, que hoje ocupa com sobras e des-  
fruta de amplíssimo apoio nos meios de comunicação,  
que colonizam e transformam a percepção de mundo  
do trabalhador na de um legítimo empresário para que  
passem a defender os interesses de uma classe a qual  
não pertencem.  
Os critérios de reconhecimento da democracia con-  
trapostos ao seu efetivo modo de funcionamento no  
Ocidente traduzem um sistema que tende a inoperân-  
cia material aliado gravíssima falta de legitimidade, ta-  
manha a inadequação entre a sua construção teórica e  
a sua inserção empírica, esfera na qual se observa com  
facilidade que quem opera e gere o sistema é um con-  
junto de ricos, que o concretizam as suas aspirações  
de dominação por vias de sofisticada astúcia aliada a  
inclemente uso do poder sobre os demais (Chomsky  
O triunfo do neoliberalismo tem pés de barro, pois a  
percepção de mundo humana está pronta para desper-  
tar, e por motivos inesperados indetermináveis a prio-  
ri. O triunfo do liberalismo se deveu basicamente a  
capacidade de mascarar as fragilidades de seu sistema  
mais do que a debilidade substantiva de seus competi-  
dores, mais a habilidade de maquiar os seus resultados  
e ocultar seus métodos do que por falta de reais opções  
filosófico-políticas. Conexamente, para Chomsky a  
compreensão da democracia e do livre mercado passa  
pela percepção de que ambos experimentam um pro-  
cesso de decadência, e não de consolidação tal como o  
discurso neoliberal propagandeia, e isto se deveria ao  
fato de que “[...] el poder se concentra cada vez más en  
manos de las élites privilegiadas”. (Chomsky 1995, 43).  
1
995, 17). Ao exercitar a contraposição da democracia  
real às instituições liberais e ao modelo descrito por  
Nino a resposta é que, em sua verificação empírica, o  
modelo não corresponde, ainda que minimamente, ao  
que ele anuncia enquanto composição teórica. Resta a  
pergunta sobre os motivos que impedem que este fra-  
casso dê lugar à implosão do sistema.  
Malgrado este anúncio de grave fracasso há discursos  
concorrentes a exaltar o êxito da cultura neoliberal.  
Sem embargo, há, no mínimo, sérias e bem fundamen-  
tadas críticas que desarticulam o discurso casado do  
êxito e da inexorabilidade do triunfo da democracia  
representativa de corte liberal sustentado por diver-  
sos segmentos da literatura política. O seu fracasso é  
expresso pela contraposição do conjunto de direitos  
e liberdades à realidade dos indivíduos, que encontra  
em Touraine um auspicioso desenho ao indicar que  
o ideal liberal de sociedade é concebido tal como um  
A perspectiva de controle e domínio por parte das eli-  
tes não é exatamente uma construção moderna. Em  
nível profundo a teoria das elites está calçada na ela-  
boração constitucional do Estado norte-americano e  
seus Founding Fathers, cuja experiência se espalhou  
pelos Estados ocidentais criando um Estado basica-  
mente aristocrático. Foi este o desenho utilizado para  
contraditar o modelo inaugural da modernidade, no  
qual o poder era centralizado na figura de um só, o  
monarca, e que experimentaria a oposição no plano  
formal através da distribuição e exercício do poder por  
muitos pela via do instituto de representação. O mo-  
delo foi redesenhado, o monarca foi retirado do trono,  
e o povo foi entronizado apenas formalmente, pois o  
poder foi mantido na aristocracia através de sofisticou  
estratagemas.  
“[...] mercado, sem excluir a intervenção da lei e do Es-  
tado no sentido de fazer respeitar as leis do jogo, a ho-  
nestidade das transações e a liberdade de expressão e  
ação de cada um” (Touraine 1996, 69). O fracasso des-  
te projeto se revela na fria constatação de que as pro-  
messas falham rotundamente em sua realização, pois  
cada uma destas garantias que o Estado liberal pre-  
tende estender ao conjunto de seus cidadãos são ful-  
minadas no plano material, e isto sem deixar maiores  
rastros através das ações bem articuladas dos poderes  
impolíticos privados que habitam o núcleo duro das  
instituições públicas conduzidas sob rígido controle.  
A rigor, este foi um modelo de Estado pensado pela  
aristocracia montado para operar em seu favor, siste-  
ma em que os homens mais bem educados e donos  
de propriedades eram também aqueles encarregados  
de governar politicamente a sociedade. Esta formação  
política e institucional foi aceita como adequada para  
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tal momento histórico da América e que, sem as adap- O ponto chave desta estratégia de corrosão radical da  
tações hermenêutico-axiológicas indispensáveis, foi democracia se encontra no âmago da Weltanschauung  
transplantada para realidades como as da América conservadora que está em desalinho com o sistema  
Latina, espaço onde o conservadorismo aristocrático democrático e constitucional que foi estabelecido nas  
de bases escravagistas e enraizadas vias antirrepublica- Américas e no Ocidente. Se o sistema não pode ser  
nas não apenas foi mantido sem releituras como apro- abruptamente desmontado sem grave crise, isto sim,  
fundado. Logo, a obviedade da discrepância entre o o conservadorismo aristocrático pode empregar re-  
conteúdo das novas instituições e os vetustos padrões cursos no sentido de minar o seu conteúdo para que,  
sociais em curso cujas práticas corroem a legitimida- por apodrecido e desacreditado, sejam os próprios  
de das aparências de democracia do sistema. Nesta atores populares que reclamem a sua substituição por  
perspectiva, a evolução do conceito e do sentido da um novo e autoritário regime à medida do conserva-  
democracia vem a requerer um intenso esforço de ca- dorismo autoritário. Estes esforços são elaborados em  
muflagem, esforço que foi realizado paulatinamente de dupla via, a saber, a construção de um discurso públi-  
forma eficiente. Este modelo de prática política recep- co aberto e democrático casada à prática da ocultação  
cionado amplamente no Ocidente foi alimentado pelo do poder e suas formas antidemocráticas de exercício.  
peso econômico e político das forças da globalização, Isto traduz a mais profunda convicção dos valores que  
em especial na América Latina, dada a falta de dispo- transcendem os limites do conservadorismo e aden-  
sição política das forças econômicas autóctones para tram o território minado do autoritarismo.  
estabelecer projetos de desenvolvimento nacional con-  
flitantes com alianças com o grande capital transna- O grave enviesamento de políticas públicas desigua-  
cional. É, no mínimo, altamente questionável em que litárias, o agravamento das condições de iniquidade e  
medida um Estado com este perfil pode ser reputado o acobertamento das estruturas que os produzem são  
como genuinamente democrático em seus mais bási- notavelmente desarticuladores do conceito de demo-  
cos requisitos, posto que a sua centralidade está focada cracia política que o liberalismo clássico concebeu e  
em interesses que não são os populares.  
prometeu realizar. Um importante aspecto que preci-  
sa ser priorizado a respeito da igualdade em uma so-  
É facilmente compreensível que uma organização oli- ciedade de corte democrático é o de que ela está mais  
gárquica da sociedade não priorize interesses popula- localizada à partida do que propriamente no ponto  
res, e é este tipo de constituição da engrenagem polí- de chegada. Esta leitura está desconectada dos prin-  
tica e suas demarcações econômicas o fator que atenta cípios e convicções conservadoras mais arraigadas,  
visceral e irremediavelmente contra o fulcro da cultura e é até mesmo contraditória com as aspirações mais  
democrático-liberal clássica em matéria política, pos- profundas socialmente compartilhadas pois, como diz  
to que interdita caminhos e oculta instrumentos para Sennett, é natural a demanda humana, quer seja na  
que os cidadãos apropriem-se do espaço público e das vida privada ou na pública, por “[...] um sentimento  
oportunidades privadas que uma democracia concei- de estabilidade e de ordem, benefícios que são supos-  
tualmente se compromete em oferecer. Projetando tamente trazidos por um regime dotado de autorida-  
este cenário político e filosófico para os dias correntes, de” (Sennett 2001, 32). O conceito de que se faça de  
compartilhamos a conclusão chomskyana de que todo autoridade e de estabilidade é um pressuposto desta  
o discurso em torno ao capitalismo liberal e o sistema discussão. Ambos não são alcançáveis senão prévia  
de mercado não passam de “[...] fantasías ensoñadoras” realização de outros valores como a igualdade, a equi-  
(
Chomsky 1995, 69), que estão à espera do despertar de dade nas políticas públicas e a influência de ambas na  
seus agentes de um já bastante longo sonho dogmático. hermenêutica jurídica.  
NEOLIBERALISMO E AS ESTRATÉGIAS DA DESIGUALDADE:  
CONSERVADORISMO E AUTORITARISMO  
O
movimento político-econômico neoliberal insatisfação e maximiza conflitos que precisam ser  
alimenta fortemente a (re)produção a altos níveis abordados de forma intensa através do aparelho  
da presente desigualdade. Gera brutal potência de de segurança do Estado, requerendo sofisticação  
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em suas estratégias de violência camuflada e de  
organização de meios de ocultação dos interesses  
das oligarquias. O conjunto de medidas econômicas  
neoliberais incrementa agudamente a desigualdade  
de oportunidades que retoricamente é apresentada em  
seu discurso político para galvanizar apoio eleitoral e  
legitimidade popular, que resulta em traição na prática  
política.  
O processo de desarticulação do poder democrático  
ocorre em paralelo à expansão do conceito de demo-  
cracia, posto que o interesse em manter o poder na  
aristocracia não é abandonado pelo só fato da instau-  
ração de um novo regime formal de liberdades, mas  
sim pelo desenho das condições de um quadro de co-  
rrosão da democracia em seu sentido substantivo. Isto  
se deve essencialmente a disseminação amplíssima da  
desilusão com um sistema de promessas não cumpri-  
das, vale dizer, com a retórica da vida em democracia  
quando a existência cotidiana é limitada pelos valores  
e interesses da oligarquia, organizada por ricos e um  
grupo de bem remunerados intelectuais a seu serviço.  
Em uma sociedade democrática a igualdade de opor-  
tunidades estabiliza o sistema político a partir da per-  
cepção pública favorável da organização econômica,  
algo que significa uma nova sociabilidade, e ela é que  
[...] traz a solução propriamente providencial da regu-  
lamentação da relação do político e do social” (Rancière  
991, 89). A isto denominamos sentimento de pertença  
Afinado com este crítica Chomsky assinala que os  
movimentos populares contestadores são sempre pe-  
rigosos e reputados como subversivos pelos podero-  
sos, posto que “[...] representan una amenaza para la  
infame máxima de los amos” (Chomsky 1995, 39). A  
contestação vetorializa a organização de poderes para-  
lelos de coletivos que apenas formalmente dispõe de  
influência. O poder de dizer “não” e de ser ouvido é a  
porta de acesso à democracia substantiva, mas o eco  
deste poder precisa encontrar espaço na grande mí-  
dia, que na América Latina é a grande formadora do  
espaço do real e da opinião pública. Dentre os países  
latinos a democracia encontra parâmetro de avaliação  
de sua tessitura e qualidade no acesso da pluralidade  
de atores e ideologias às grandes mídias.  
1
e compartilhamento social mínimo sobre uma neces-  
sária perspectiva de justiça pública, sem a qual o resul-  
tado de desagregação produzida é vencida pelas mino-  
rias oligárquicas através de denodado empenho no uso  
da força como forma de submeter momentaneamente  
as forças contrárias, estratégia que, definitivamente,  
não é o equivalente a realizar a pacificação.  
À partida, a igualdade de condições e oportunidades  
em um sistema político reverbera na solidez das ins-  
tituições da democracia, o que se deve a legitimidade  
popular que lhe empresta devido a este impacto po-  
sitivo causado pela percepção da justiça social. Em  
reforço advém o argumento de que “A igualdade de  
condições garante a pacificação das afeições políticas  
por sua polimerização” (RANCIÈRE 1991, 90), o que  
é estratégico para os fins de uma dominação sistêmica  
perdurável. Rancière ainda alerta para as consequên-  
cias de que  
Não interessa ou toca aos altos membros da aristocra-  
cia se a única esperança existencial de que dispõem  
os segmentos menos privilegiados da população é a  
reação contra um sistema que lhes retira absolutamen-  
te as esperanças, que os domina e seduz. Em face de  
seus interesses, reduz e emascula os indivíduos em sua  
dignidade e autorrespeito, determinantes de inaceitá-  
vel radicalização desumana das esferas éticas. A reali-  
zação do modelo de organização social e política ba-  
seado no livre mercado foi conectado a um engenhoso  
esforço de camuflagem da espécie de relações de do-  
minação e exploração que sempre tiveram vez e curso.  
A supressão da afeição que se alimenta da dis-  
tância e da distinção, a honra, abre um espaço  
social em que as antigas tensões em torno do  
centro se regulam pela divisão, pela prolife-  
ração de uma infinidade de pontos de interesse,  
de pontos de satisfação do interesse. (Rancière  
1991, 90)  
Chomsky chama a atenção para que a assunção dos  
princípios de livre mercado tanto quanto da própria  
democracia precisa ser compreendida em seu contex-  
to, realidade de um domínio oligárquico, determinada  
pelos resultados aos quais estes atores visam. O pro-  
cesso democrático está viciado à partida quando está  
garantido o resultado do jogo e quem serão os seus  
A crítica de Chomsky ao sistema não se esgota na  
adoção de perspectiva antropológica cética ou pessi-  
mista, senão que está ancorada em realismo radical  
calçado em leitura humanista do mundo e das relações  
e arranjos sob os quais as sociedades podem encontrar  
uma organização mais justa.  
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vencedores, aqueles que “devem” ganhar (Chomsky  
capaz de convincentemente apresentar-se à população  
como se democrático e libertário fosse. Assiste razão a  
Sennett ao argumentar que se trata tão somente de al-  
terações da forma de exercício do domínio, mas nunca  
do domínio em si mesmo, reiterando a percepção da  
oligarquia de que o amplo conjunto de indivíduos que  
está posicionado nas escalas desprivilegiadas e em-  
pobrecidas da sociedade deve continuar a ser tratado  
como meros objetos –quando não transgressores do  
direito, mesmo que apenas devido a sua luta cotidiana  
pela sobrevivência– e, portanto, despidos da inerente  
condição humana e, no limite, do direito ao respeito e  
a dignidade.  
1
993, 139), ou seja, a oligarquia no poder, eventual-  
mente através de prepostos iluminados e educados nas  
melhores casas de ensino do mundo.  
A substituição da forma de dominação é um movi-  
mento bastante claro de adaptação das práticas ao  
novo discurso, mas sem prejudicar minimamente os  
objetivos dos oligarcas. Sennett chama a atenção para  
o fato de que “O declínio da violação física no século  
XIX não foi um sinal de diminuição da coerção” (Sen-  
nett 2011, 130), o que é perceptível através das sofis-  
ticadas estratégias de exercício do poder oligárquico,  
CONSIDERAÇÕES FINAIS  
O que está em causa é a sofisticação das formas de  
coordenar e condicionar o comportamento humano,  
de obter com o maior grau de precisão possível o  
resultado que permita às oligarquias a colheita do  
fruto almejado, e isto através de massiva e entusiasta  
adesão popular. Sob tal aderência é obtido um  
duplo resultado, a saber, a maximização do lucro e  
a desmobilização do uso das custosas (também do  
ponto de vista político) forças da repressão. A abolição  
da forma vistosa de punição corporal em nenhum  
caso deve ser desconsiderada, posto o aparecimento  
de “[...] novos controles, como a vergonha, controles  
menos palpáveis do que a dor física, mas idênticos  
em seu efeito de subjugação” (Sennett 2011, 130).  
Isto não significa que novos condicionamentos  
sobre velhos padrões não sejam exercidos, mas tais  
como a radicalização da vergonha, senão que, mais  
certeiramente, são mobilizados inovadores e efetivos  
canais para acionar dimensões da psicologia humana  
relacionadas a estas categorias.  
deslocamento do controle e do domínio da esfera do  
esfolamento corporal para outra bem mais sutil, obser-  
vamos que ela não é menos eficiente em seu propósito  
de domínio. A brutalidade da exclusão do humano das  
vias de construção de si mesmo e do desenvolvimento  
de suas potencialidades continua a ser articulada nas  
lâminas frias de salas que não compartilham as de-  
cisões que definem os rumos da sociedade. Nestes es-  
paços ocorre o duro exercício do domínio sobre vidas,  
tempos e valores, e de forma não menos alienante do  
ser, talvez menos chocante no sentido físico, mas que  
é ainda assim uma variação moderna do que o foi an-  
tanho, da alienação do homem de si mesmo e do dis-  
tanciamento dos seus, eis que descose internamente já  
não apenas um homem, um coletivo ou uma etnia, mas  
todo um amplo conjunto humano que resta subjugado.  
As sociedades de mercado ou puramente conduzidas  
pela lógica comercial detém um profundo e não de-  
vidamente mensurado potencial totalitário, absoluta-  
mente apoiado pela égide da ciência e de seu discurso  
tão sofisticado quanto sedutor pautado por sua supos-  
ta neutralidade, sendo este um contexto em que a sin-  
gularidade e a identidade do humano estão sendo ne-  
gadas e perdidas. É isto o que está em causa quando a  
democracia não se mostra suficientemente hígida para  
enfrentar os seus desafios e os ardis e as armadilhas  
mil que lhe são postas.  
O que está em causa nesta situação de mobilização de  
novos recursos é o objetivo de mascaramento das so-  
fisticadas formas de controle que articulam diversas  
áreas do conhecimento, de sorte a lograr que o imagi-  
nário humano transite pela sensação de libertação que  
a ideologia neoliberal lhe permite experimentar em  
seu convívio social. Considerando este movimento de  
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